Depois de 17 anos, a franquia de bichos colecionáveis parece mais forte do que nunca. O que torna "Pokémon" um jogo tão popular?
"Pokémon Black & White 2" ja vendeu 2 milhões no Japão. É o maior lançamento do ano por lá
É incontestável que a Nintendo e a Game Freak sabem como administrar suas franquias, vendo as altas avaliações feitas sobre o novíssivo "Pokémon Conquest" que ganhou nota 9 no nosso review) e o sucesso que o recente “Pokémon Black & White 2” encontrou no mercado japonês. Foram 2.035.471 unidades vendidas apenas entre 23 de junho e 1 julho, deste último, contabilizando um dos maiores lançamentos do ano até agora - o maior no mercado japonês. O sucesso das vendas foi tão expressivo que, além de dar um impulso de mais de 10,1% nas vendas do 3DS, ainda atingiu as vendas do aguardado “Persona 4: The Golden” como um balde de água fria, fazendo as vendas do PS Vita despencarem para apenas 39,4% da semana anterior (de 34 para 13 mil, em números).
Haja visto que isso não foi um episódio isolado. É preciso pôr em questão este estardalhaço a cada novo “Pokémon” que é lançado. Por que, afinal, essa franquia tem um lugar tão desejado no panteão dos jogos? Como uma série, sem acompanhar novos consoles (como fizeram “Mario” e “Wii Sports”), consegue chegar ao expressivo número de 190 milhões de vendas em apenas 17 anos? O nosso colega Diego Sato passou um tempo no Japão e voltou com uma história que ilustra bem o sucesso dos bichinhos de bolso: é costume do governo japonês pedir à Nintendo que lance os novos jogos canônicos da série aos sábados, pois a movimentação rumo às lojas seria muito nociva ao transporte público nos dias de trabalho. No Japão (e não só lá), “Pokémon” é sinônimo de filas de espera na frente dos shoppings, pessoas correndo no primeiro minuto de atendimento e números estelares de ienes indo para os cofres nintendísticos.
A bagunça no mercado que segue cada novo título revela uma fórmula que envelheceu bem, apesar de não contar com as tecnologias de ponta. Ainda que nem todos os jogos secundários encontrem o público apaixonado que abraçou “Pokémon Green” em 1995, é fato incontestável que a linhagem nobre da marca nunca deixou de exercer cuidadosamente uma receita para o sucesso. Do “Pokémon Blue” até o “Black 2” - passando pelo “Yellow”, que explodiu no Brasil por conta do amado roedor amarelo Pikachu -, três elementos sempre estiveram presentes e em constante evolução: um trabalho constante de formação de imagem sobre o universo Pokémon, uma estética que apela para um público amplo e um sistema de combate sólido, muito bem estruturado.
O gráfico mostra as vendas, em milhões, de cada "Pokémon" canônico até julho de 2011
Aventuras no universo parelelo
“Pokémon” não é um jogo. Como muitos acadêmicos gostam de definir, a franquia é um dos melhores exemplos atuais do que se convencionou chamar de “narrativa transmídia”. Em termos mais fáceis, isso quer dizer que os autores da saga usam diversos meios de comunicação para construir uma única história, um único todo. Não é difícil enxergar esse comportamento em um mundo forrado de pokebolas: no Ocidente, em geral, o sucesso do anime e do protagonista Ash Ketchum vieram antes do próprio jogo, já que o processo de tradução de série de TV é normalmente mais rápido e descomplicado que o de um jogo. Quando “Pokémon Blue & Red” (as versões não-japonesas de “Green”) finalmente chegaram às lojas, a maioria dos compradores já estava familiarizada com o conceito “Temos que pegar!”, bandeira-chefe da franquia. O anime foi, de muitos modos, o verdadeiro ponto de inseminação de “Pokémon” - o sucesso dos primeiros jogos foi em grande parte consequência da popularização da série animada, que levou hordas de jovens ocidentais para as lojas em busca das aventuras de Ash, Misty e Brock, mesmo que elas não existissem de fato no videogame original como no seriado.
A transitividade de “Pokémon”, porém, vai bem além da TV. Mesmo sem o anime e os consequentes filmes de cinema para cimentar o folclore pokemonesco, a marca espalhou-se rapidamente por cada tipo de meio que conseguiu encontrar: logo depois dos primeiros jogos, a Nintendo lançou a primeira linha de jogos de carta ao estilo “Magic: The Gathering”, que rapidamente se tornou febre entre os amantes de jogos de RPG de mesa. Mais tarde, os mesmos bichinhos encontraram seu caminho na Internet, com o lançamento de um site de webgames temáticos (muito bem construído) que se tornaria o “Pokémon Global Link” - um dos grandes expoente da jogabilidade transplataforma ainda hoje. Longe das telas, enredos paralelos aos de Ash Ketchum no formato de mangás capturaram mais outro público, que preferia ler ao invés de assistir suas história favoritas; e uma variedade de brinquedos, decorações e quinquilharias tematizadas fizeram com que a imagem dos pokémons se tornasse um lugar-comum na cultura pop. Onde a Nintendo não conseguiu produzir conteúdo, como nas rádios ou jornais, ela eventualmente apelou para a publicidade; onde não conseguiu colocar anúncios, ela criou eventos com recompensas tentadoras.
Entre animes, mangás, jogos de cartas e brinquedos, "Pokémon" se instalou na cultura pop
O efeito acumulado desta saga transmídia é claro ainda hoje: não há quem não saiba, nos grandes mercados, o que é um pokémon (ainda que este conhecimento se limite a uma imagem do Pikachu). Não é um caso de lavagem cerebral, mas de produzir material de bom conteúdo em múltiplos canais de expressão. Apesar de se promoverem mutuamente, a razão pela qual cada um dos elementos individuais do universo Pokémon funciona é simples: há uma preocupação real em fazer algo desejável, que respeita a tradição já imposta pelas histórias anteriores e que se integre às regras definidas sem estranhamento. Pokémon não é um jogo, é um infoverso.
Charme, conforto e criatividade
É bem verdade que “Pokémon” foi criado com o público infantil em mente, lá em 1995. O visual família escolhido pela Game Freak - também encontrado nas obras da Pixar, veja bem - é certamente um que foge de tabus, mas não chega a ser infantilizante. O contrário poderia ser dito, levando em consideração a história da arte pop japonesa: para os padrões de mangá/anime de sua época, “Pokémon” apelava no Japão para um público bem mais amplo que garotos de 12 anos.
O design de suas criaturas - coração da série - mostrou-se majoritariamente inovador, e exigiu do desenhista Ken Sugimori grande esforço para evitar configurações genéricas ou inexpressivas. Ele já disse em entrevista, mais de uma vez, que seu objetivo na época foi criar um “visual marcante” para cada criatura, conferindo a elas personalidades fortes e distinguíveis. O mesmo pode ser dito das regras do mundo no qual a franquia toma palco: em cada novo jogo, cada cidade reflete um diferente aspecto da cultura japonesa, seja o ritmo sonolento da pequena Lavender em “Pokémon Red & Blue” ou os prédios, multidões e música agitada de Castelia, em “Pokémon Black & White”.
Este aspecto concentrado dos traços de cada bicho e localidade não tornam o jogo agressivo nos detalhes, felizmente. Assim como os enredos simples escolhidos pela Game Freak, que prefere produzir um RPG de mundo aberto a uma história intensa, todo o design de “Pokémon” gira em torno do princípio “simples de jogar, difícil de dominar”. Os elementos centrais são simples o suficiente para que mesmo o público infantil se sinta confortável neste distante mundo digital, fazendo com que a complexidade se esconda onde apenas os bem letrados possam vê-la. A história, apesar de presente, não se põe no caminho da diversão, e é comum que jogadores não versados em japonês/inglês passem boa parte do jogo sem se prestar a leituras complicadas. Para completar, a mecânica de jogo criada pela Game Freak incentiva desavergonhadamente a interação com outras pessoas, seja para troca, duelo ou aprendizado, conferindo um aspecto social que precedeu qualquer “FarmVille” em pelo menos uma década. Como o Facebook nos prova diariamente, há um público casual que encontra grande prazer nesses momentos.
Apesar de boa parte das criaturas trazerem visual infantil, há muita variação no design
Um dilúvio silencioso de números e tabelas
Um game com estética e familiaridade amplas, no entanto, não é garantia de sucesso sem que traga consigo um sistema robusto de jogo. Se o visual agradável e o boca-a-boca cumprem seu papel de manter o interesse superficial na franquia, é no sistema de combate que “Pokémon” prova que merece sua coroa no panteão dos RPGs. Nesta atual geração, cada criatura é composta de mais de 50 atributos configurados astutamente pela mistura de uma boa regulação básica, sorte na rolagem dos dados e o treinamento dado a cada pokémon. Não há no mundo duas criaturas que repitam os dados, e não há jogador que as escolha e configure do mesmo jeito. Isso, na prática, significa que cada pessoa terá uma experiência única no decorrer dos jogos, seja pela dificuldade dos combates pela frente, experiência com o time escolhido ou métodos viáveis de evoluir em poder. Apropriadamente, o jogo não faz um estardalhaço sobre este aspecto, mas até mesmo o mais cínico dos críticos se anima com as possibilidades de customização que tem.
A simples-porém-profunda mecânica de duelo da franquia combina o melhor que os games têm a oferecer: por um lado, a simplicidade de escolher uma criatura, usar seus golpes-padrão e terminar o jogo dá boas vindas a todo o público casual; a quantidade de locais, pokémons e estratégias, por outro ângulo, dá aos exploradores natos material quase infinito para buscarem a melhor aventura; finalmente, a chuva de estatísticas, tabelas e cálculos rodando no fundo de cada combate dá aos competidores fervorosos uma ciência complexa de cultivo da criatura mais poderosas, e os muitos campeonatos e eventos promovidos pela comunidade jogadora dão pretexto de sobra para que eles se encontrem no campo de batalha.
Ao todo, as 649 criaturas atuais trazem, cada uma, mais complexidade do que qualquer jogador consegue absorver sozinho: pontos e níveis de experiência, formas evolutivas (progressivas, regressivas, alternativas), variações físicas com efeitos em combate, gênero, formas brilhantes, o infame vírus Pokérus, métodos de captura, personalidade, poder exclusivo, seleção de golpes, árvores genealógicas, chances de reprodução, estatísticas de nascimento (IV), habilidades herdadas, estatísticas de crescimento (EV), alinhamento com o treinador, felicidade individual, níveis de poder. É um dilúvio de números e características que pode ser, simultaneamente, o centro da experiência ou simplesmente ignorado.
O sistema de batalha é bem simples para os casuais, mas esconde uma avalanche de dados
Tudo isso acontece sem transformar a experiência em um gigantesco concurso de álgebra. O design geral do jogo, em optar por enterrar tudo isso sob uma grossa camada de fofura, garante que os iniciantes sejam recebidos sem susto, para depois lentamente descobrir que há mais a conhecer por baixo da superfície juvenil que vêem. É interessante, igualmente, que os desenvolvedores tenham tomado o cuidado de distribuir a progressão ao longo de toda a aventura, ao invés de concentrá-la em trechos excluídos da trajetória de cada jogo. Isso tem outro efeito cativante sobre o público: em “Pokémon”, navegação, enredo e evolução ocorrem todos simultaneamente. Apesar de oferecer mais complexidade do que cada jogador poderá absorver, a Game Freak faz isso em doses graduais, em um jogo longo, no qual os incentivos para que o jogador continue a explorar o sistema são oferecidos continuamente, seja em termos de desenvolvimento de enredo, registros de encontros e vitórias ou a simples alegria de conhecer um novo lugar ou criatura. Entre encontros com rivais, equipes de bandidos, ginásios, lendas de pokémons raros, a busca pela Pokedex perfeita, histórias variadas e uma grande quantidade de lugares e coisas para se conhecer, o jogador até esquece que esta na verdade aprendendo as regras de um complexa sistema de luta. O jogo é tão vasto quanto é profundo.
As razões para o sucesso
Não é de se estranhar, por tudo isso, que a franquia “Pokémon” tenha entrado em seu 17º ano com saúde e longevidade garantidas. A criação de Satoshi Tajiri, aquele adolescente colecionador de insetos dos anos 80, conseguiu traduzir para os games a alegria que seu criador sentia ao encontrar criaturas estranhas nos parques e florestas. Que ele tenha criado uma dinastia sobre a ideia, contudo, é mérito de uma equipe dedicada de designers, roteiristas, desenvolvedores e programadores que excederam em muito as expectativas de seus fãs, integrando uma jogabilidade madura e que respeita a inteligência dos jogadores a um estilo consagrado de estética. Aos que acreditam, mesmo assim, que “Pokémon” é uma série infantilizante, fica a pergunta: entre o sistema minuscioso de jogabilidade criado pela Game Freak e o estilo esconde-e-atira-e-salve-o-dia que domina 90% da jogabilidade de “Gears of War”, o que parece mais exigente?
Fonte:PoP
Nenhum comentário:
Postar um comentário